
Dom João Carlos Seneme é bispo da Diocese de Toledo
O episódio da travessia do mar (=lago) durante uma tempestade é apresentada logo após a multiplicação dos pães onde Jesus desafia a fé dos discípulos ordenando-lhes: “Dai-lhes vós mesmos de comer!” diante do fato de que a multidão é numerosa e não há comida suficiente para todos.
É interessante notar que, após a multiplicação dos pães, Jesus expressa novamente o desejo de ficar sozinho: ele convida os apóstolos a subir no barco e ir para o outro lado do lago, dispensa a multidão e se retira no monte para rezar até tarde da noite: é a primeira vez que São Mateus apresenta Jesus rezando; a próxima vez será no Jardim das Oliveiras. Enquanto Jesus reza, os discípulos se encontram em grande dificuldade devido ao forte vento que impede uma navegação pacífica e até põe em risco suas vidas.
Na tradição bíblica, o mar (= lago) indica simbolicamente o caos primordial e, consequentemente, toda situação confusa e perigosa da história: acabou se tornando a figura do mal, do poder das trevas. “Caminhar no mar” é uma fórmula de grande significado teológico: é a referência direta ao poder divino que controla as águas e as domina.
A intervenção de Jesus é ao mesmo tempo espetacular e enigmática para os discípulos: caminhar sobre a água evidentemente expressa uma qualidade divina não tão imediatamente interpretada por eles, no primeiro momento eles acreditam tratar-se de um fantasma.
A intervenção de Jesus com as palavras de profundo eco bíblico: “Coragem, sou Eu, não tenhais medo” transmite paz aos discípulos, mas põe em movimento a prova da fé de Pedro, que faz um pedido com um toque de provocação: “Senhor, se és tu, manda-me ir ao teu encontro, caminhando sobre a água”. É quase como colocar à prova o poder de Jesus, sem perceber que, no final, é o
próprio Pedro que duvida de si mesmo e de sua fé. Jesus aceita o desafio e convida Pedro a ir em sua direção caminhando sobre as águas. Pedro tenta, mas acaba caindo na água porque tem medo do vento forte.
Afunda porque perdeu a confiança em si mesmo e em sua fé. É possível reconhecer aqui a situação do discípulo e da Igreja que iniciam a árdua tarefa que Jesus lhe confiou, mas tem medo e falha porque sofre oposição e contraste. Nesta situação a voz de Pedro expressa a única invocação possível: “Senhor, salva-me!”. Ele confessa que sua fé é pequena e precisa de Jesus. Reconhece que o Senhor é o único que pode curar sua pouca fé.
Por causa da falta de fé (falta de confiança no Senhor), Pedro afunda, mas o Senhor não o abandona. Ele o repreende amigavelmente e estende a mão para agarrá-lo e puxá-lo para cima, criando a figura do “pescador de homens”. É isso que Pedro e os outros apóstolos terão que fazer, mas primeiro e eles precisam ser “pescados” pelo próprio Jesus, eles precisam ser salvos para poder
transmitir a salvação de Deus. A fé é um dom que precisa ser cuidado como um tesouro ou uma pérola preciosa.
Neste domingo celebramos o Dia dos Pais, a vocação matrimonial e o valor da família como dom de Deus à Igreja para revelar ao mundo o rosto de Jesus e o projeto salvador de Deus. A família é o berço de todas as vocações. A família é o santuário da vida, é a Igreja doméstica onde aprendemos a viver junto com os outros, somos iniciados na fé para ser no mundo sinal do amor de Deus. Peçamos a São José que abençoe todos os pais para que sejam exemplo de amor e dedicação à sua família, à Igreja e ao mundo.
Dom João Carlos Seneme, css
Bispo de Toledo